21 dezembro, 2012

De tanta vergonha, não tem nome


Algumas coisas explicam outras. Aí a gente entende mais da vida. Ou não.

Prefiro esquecer quanto tempo faz. Foram conversas demais, discussões, acordos, silêncios exagerados, solfejos infindáveis. Não comer, não dormir, não brincar na rua ou querer, mais que pipoca, acordar mais cedo... tudo pra ter mais tempo com ele, que ocupava toda a vida que eu precisava repartir. Testava ideias... Dava palpites. Brincava. Deixei, um tantão de vezes, os livros de lado... só pra crescer com o piano. Eu tinha 7 anos.

Tem tempo que eu e a música não conversamos mais porque, por vezes, brigamos... e eu pedi pra desistir. Pedi mesmo. Tava cansada. E não era nem pra eu me importar.  "Já sei viver assim".

Esqueci de como se olha pras notas sem sentir vergonha - porque é necessário sentir vergonha diante daquilo que não tem nome. Tem de ficar tímido e dizer que não é capaz de responder à tamanha tragédia acontecida entre um humano e sua vida: a música. Deve-se pedir desculpas; até perdão, se necessário... E tentar não decepcionar demais a sua alma quando todo som que você fizer for... nada. Se algum fá não representar exatamente aquilo que ela diz, a alma mesmo, renda-se à humildade de perceber, apesar de ser artista. Jogue-se no vazio. E não é preciso tentar de novo, porque tem de ser imperfeito, mesmo que tudo se expanda de horror, como um fôlego inspirado no desastre. Fazer sua música nada mais é do que ser, repetidamente, um intérprete ciente da indignidade.

Aí você esquece de que existe. Larga tudo. Momento em que o primeiro a se calar diante do silêncio entre um tempo e outro é você. Paralisadas, suas mãos se encantam. Já me chamaram de pianista. Eu sorri.

Não era pra doer. Doeu. Pedi pra voltar e imaginei o que seria de mim. Não sabendo esperar, liguei pra minha mãe. "E aí, como é que ele tá?". Tive medo de que não estivesse desafinado. Pedi pra que ela arriscasse algumas notas. Vibrei. Ele ainda me quer por perto... Mas eu sei que não vou voltar.