dos amigos

Vem de novo esse mantra de que eu não posso com as coisas dos outros. Carregar os segredos e pensar sobre eles como eu bem quiser. Não. Tenho que ser, agir e fingir como o dono deles. Sabe aquela coisa que fica no ar, se percebe no olhar... Que ‘tá bem mais além da razão, coisa de pele mesmo, gente que você escolhe pra estar junto e compartilhar, entendendo você como mais ninguém, como brigadeiro com coco, chá de goiaba com torrada? Sabe?

Pois é, eu também NÃO!

Essa gente não existe. Existe gente que te vive. Mas existe gente que acha que você é inteligente sob “certo” viés. Existe gente que se aproveita das suas pseudo-habilidades pra usá-las no seu imperativo. E só. Eu deixei de ser inteligente por causa dessas pessoas. Não; eu me recuso a ler Kant (e começo a dizer “Kénty”), Bachelard, Aquino, Meireles, Austen, Pessoa, Chomsky, Fregue, Freud, Deleuze e Foucault. (Nietzsche eu “num dô conta” de abandonar; esse não). Não sei mais que tipo de música agrada ao fulano só porque ele gosta de mastigar cravo. Ou que bonito é ler à primeira vista as pautas mexidas de um piano. Não sei mais ler os gestos e as pessoas, dar um parecer sobre seus argumentos mal fundamentados ou dizer o que pensam e analisar discursivamente seus causos. Eu perco as habilidades! ‘Tô nem aí pra saber se o mundo ‘tá acabando no noticiário ou não! Se eu sei quanto tá o dólar? Se eu sei etiqueta? Se eu sou a companhia discreta, reverente, domesticada ou maliciosa pra imaginar o que o pensamento alheio me dá? Arre, né? Eu sou uma massa que explode sempre que pensa e que finge na cara dura que não sabe sobre coisa alguma. É, pra não ser perseguida cognitivamente.

Pontuação, c cedilha, quatro vezes nove, acidentes geográficos, cinco idiomas, música ou filosofia? Nunca fui mais burra. Se você procurava uma enciclopédia pra se orgulhar do tipo de gente que anda ao seu lado, aquela gente que sabe as teorias de cor e que se gaba dos seus três cursos universitários... eu não sirvo mais. Deixei isso pra você. Eu sirvo pra ser eu, sem nem mesmo o saber ser.

Eu não quero ter que saber. Eu me esqueci. 

Não sei mais conversar sem impor o meu avivamento por esta EU que surge da nadificação das suas linhas, sem dizer que não, eu não me aceito como sou; sem dizer que, realmente, as tuas coisas me importam; que, sim, eu quero ser esta tua descrição poética. Nihil. Nihil novi nisi commune consensu. Quero que você me diga se eu fiz um bocado de asneiras ou se o g(ô)sto da salada tava legal. Quero que perceba que a minha tola fala vem da minha inteligência morta, da minha sede de saber que não cabe mais nos outros, só cabe na minha ausência de jeito inteligente, guardando tudo no perdido de mim.

Não deixo mais de dizer que ouço você por ouvir, por querer, por falsificar o meu entender. Pela sua humanidade ou pela sua discrepância engraçada. Por seus paradoxos e seu perdão universal de si. Eu olho pra você, eu te acudo, eu te desanimo, eu te rio, porque gosto de você! Gosto de te estar, gosto de te ver prolixo andando de barco em Veneza e comendo farofa de ovo no chão da cozinha ao mesmo tempo. Derramando tuas confissões fazendo de conta que não as são e, por um silêncio falado curto, esquecer de que não confia em ninguém pra confessar os teus revestrés. Estão guardados.

A alma é literatura...grande demais pra caber na gente.

É mais ainda na hora em que a gente é mão com cheiro de alho ou come meia lata de leite condensado com nescau. Fazer rimas? Rima é coisa de piegas das letras. Eu escrevo que nem eu mesma. Isso é pura literatura.

Gente é errada e gente é pequena. Eu quero ser quem não sabe de nada e, nas minhas literaturas, analisar qualquer outra palavra, quer seja deste mundo, quer seja do de qualquer outro absurdo que vive nele como eu. Não quero ser a melhor da sala, a do trabalho mais brilhante, a das ideias assim “catapumba!”. Ah, deixa disso e sai pra lá.

Um dia vão me deixar escrever sobre a falsidade dos elogios que te tecem e, de uma vez só, inventar de novo todos os teus defeitos, abrigando eles no erro enclítico dos albergues (pra quem não entendeu, o fim de toda rua dá num albergue..), sugeridos em prosas e odiantes de poesia. Nada revisado.

Quero ser conhecimento guardado e minto toda vez que me sobrevém alguma perseguição intelectual. Não vou dizer. Não vou. Nunca ouvi falar do velhinho da Grécia, nem nunca toquei nada naquele instrumento chato que o povo acha ser de teclas. Não sei o que é pragmática, senso comum, recuo de 4 cm e manipulação do discurso jurídico. Chega de responder quando a pergunta é muito interessante e vai justamente onde as borboletas voam no meu estômago. Nada, é disso que eu sei.

Não respondo mais nada desde muito tempo e, às vezes, apenas me pula fugida alguma coisa, por falta de porteira no jogo do conhecimento. Conhecer gente é que é legal, é bruto, é coisa de cabeça normal... isolamento, filosofia, depressão, ouvir pensamentos, andar na praia, olhar pra imensidão do existir e achar isso lúdico...confessar que não sabe ser feliz, pôr-do-sol, água de coco, teorias de conspiração e perfeccionismo são coisas de intelectuais, pseudo ou não.

Eu quero te ouvir e quero que me ouça porque eu estou disposta a aceitar isso, e mais nada. Aprendi que nada meu tem que ser público e que a confissão das minhas dores faz nascer de mim uma letra por dia... Eu entendi que é importante não ter segredos solitários, mas ter aqueles que são de dois... compartilhados porque, se contados, a gente se ferra junto. Se confessados ao lado de fora, não terão mais a graça de ser, porque não serão mais. É condição de existência, verdade e falsidade, coisa de dedo mindinho de madrugada: “promete?”.

Eu quero habitar o nada e esvaziar qualquer Schopenhauer que possa tentar sair da minha estante. Eu não me defendo mais por ter dito algo certo. Eu não vou dizer que sei, eu não assumo que menti. Eu só digo. Eu não sei e to mentindo sobre isso.