A Rafa sempre teve mania de se entender. Logicamente, sabia que suas especulações sobre o mundo estavam todas corretas, até que.
E eu estou começando a perceber que o campo de atuação dessa menina mudou porque o seu bicho preferido desde alguns dias é aquela barata morta que está atrás do pé do guarda-roupa. A Rafa e as baratas não costumavam freqüentar os mesmos lugares; agora, moram juntas. Se ela não se sente à vontade com seus cachorros e gatos, com certeza será a barata morta algum tipo de suástica intelectual desenhada pela ausência, que seja, de perigos.
Quando foi escravizada pelas baratas, Rafaela não tinha muitos comentários sobre as comoventes declarações de boa parte das pessoas. Sentia sono com as repetições óbvias de quem tentava confrontar-lhe. Costumava fazer uma montagem, meio bricolagem, em tom impulsivo enquanto o interlocutor dava o ar da graça, de todas as nuances que um conjunto de pontuações poderia ter. Criticar, comentar e adulterar um dizer alheio tornou-se agressivo ao seu entendimento de qualquer coisa que ela chame de “sem-nome”. Realmente eu sei descrever a bendita Rafaela.
Se ela se arriscou a tal, suas especulações deveriam conduzi-la a algum lugar que não fosse ela mesma. Do Medievo à pluralidade destruída, Rafaela entendia que tudo era outro. Ai sacrifício que era cogitar a correção de algum pensamento por conta da interferência de alguém no seu formato de gente.
Emaranhado de sonos atrasados, cabelos assim tipo sem pentear – e mal lavados –, olhos caídos voltados para o teto e muralhas de almofadas entre ela e a parede. Pronto, Rafa estava OK para forçar um pensamento inteligente sobre o que a levou ao caos. “Não dá mais pra viver de fome. Não há chance alguma de esperar. Não é possível cometer suicídio. Pelo menos dá pra me embebedar de leite”. A psicanálise explicaria com desdém. Há Há Há
Descompromissada por duas horas e bêbada. Ainda assim não haveria de esquecer-se de sua adultez. Não há mais chances de ter como melhor amigo um livro e nem de ignorar a essência das coisas. Bem que ela queria viver naquela idealidade de criar tudo e ser, por meio do espelho, dona do universo. Pedir demais. Ser dona de si mesma já era improvável. (leia A República, de Platão)
Desde que decidiu negociar o estado da arte das coisas, a menina deixou de ser condescendente para ser firmemente um desastre. Exercitou a imaginação e – que porcaria – foi consumida pela fé em si.
Hoje Rafaela descobriu que tem tendências depressivo-bipolares.