24 julho, 2012

Finalmente, o que é o amor | poema torto da meia-noite

E que o seu amor seja
nada do que você esperou que ele fosse.
Que ele não lhe surpreenda, nem lhe encante,
porque todo encanto e toda surpresa não têm muitas risadas e caretas.
Diga – somente – que o amor, por fim, existe.
Basta.
Enfim, o amor existe.

Que o seu amor seja
aquele que não lhe preenche.
Que seja aquela falha que em você faltava,
aquela ausência que se consegue suportar.
Testes de sobrevivência repetitivos,
porque, quando o amor não está, é aí que ele está.

Que o seu amor não solucione nenhum problema.
E que não espere por você acordado
E que não vigie o seu sono
E que não lhe diga "eu te amo" só por querer lhe ver sorrir.
É até singelo. Mas é pouco.
Que o seu amor olhe além da fraqueza que você e seu corpo sentem diante
da terrível presença dele, esse assalto,
e que esse momento seja todo o amor de uma vida.
E só.

Que o seu amor não use as palavras que você espera ouvir. Deus te livre.
Se assim for, que ele nem ao menos fale.
Muita coisa é bela,
Mas nada é mais puro do que ouvir a tradução
de um sentimento sem as palavras exatas.
Nada melhor do que vê-lo tremer os lábios num abraço
ausente de qualquer explicação que esclareça um amor que existe.

Não espere pelo que sempre esperou.
Só alguém com quem você nunca sonhou dirá o que lhe tomará agressivamente a alma,
invadirá sem permissão alguma o que era somente seu,
e fará de você entrega, esperança, condenação.

Que o seu amor lhe dê silêncio de todas as formas.
Conversas em silêncio. Todos os dias.
O silêncio é quem diz a importância da vida que se deita ao seu lado.

Que o seu amor viaje sem você
Compre uma casa sem lhe avisar
Toque piano com uma mão só
Bata o carro e chore ao telefone.
Que ele precise de você para nada, mas que,
ao menos, queira precisar.
Que ele saiba sobre a sua presença:
ela é maior do que um tudo qualquer que ele invente para substituí-la.
É importante que ele lhe peça ajuda quando tudo se sufocar,
Porque a realidade dele vive no mundo que é seu:
Raiva, Apego, Ódio, Esperança, Solidão,
Alegria, Tormento, Impaciência,
Amizade, Intolerância, Amor, Saudade.

Amor é nada se comparado ao amor.
E saudade explica muita coisa.

Viva por um, sendo dois.
Seja intenso. Chore.
Nada é melhor do que lhe ver chorar
e ser a resposta na hora errada, o abraço recusado,
contudo, ao lado.
Presença quieta de uma reverência,
intrigante de tão completamente entregue.
Porque, por você, ele vem.

Que o seu amor viva de maneira apaixonadamente incompreensível,
tendo sonhos irrealizáveis, improváveis, lutando por coisas sem sentido.
E que seja bobo também. Às vezes. Muitas vezes.
E que você, mesmo não entendendo nada, diga que não entendeu mesmo.
Enxergue o seu lugar no que ele não lhe diz.
Enxergue o seu lugar só nele e, justamente, nele.

Que o seu amor diga a você apenas o que ele disser.
Mesmo que seu corpo peça alento
Mesmo que seus olhos estejam fechados
Mesmo que seu coração esteja aberto
Mesmo que suas mãos tremam e timidamente fujam
Mesmo que tudo seja perfeito.
Que, mesmo assim, o amor que é seu pronuncie imperfeições.
E que seja belo pra você. Que seja simples. Que seja real a sua ilusão.

Que ninguém mais saiba entendê-los quando resolverem dizer-se um ao outro.

Que o seu amor diga que lhe ama porque você não é nada daquilo que ele sonhou.
Que ele sinta sua presença na irritação parecida do padeiro
(curvam as sobrancelhas da mesma forma quando se comenta algo intolerável)
Que ele sinta sua presença na tagarelice da vizinha
Ou no silêncio de um enlutado.

Que você sinta o seu amor. Sinta-o desesperadamente.
Sinta-o ao ver tudo que com ele não se parece;
ao descobrir – naquelas pessoas de plástico – milhares de qualidades.
As qualidades que ele não tem. E ainda assim amar. Justo.

Sinta o seu amor na teimosia de uma criança
Na dúvida de um perdido
Na fantasia de um idealista
Na certeza de um sobrevivente
Ou no outono, quando uma folha cai de uma árvore sem cor.

Que o seu amor magoe a você. Profundamente.
E volte.
Que ele sempre volte. Porque felicidade a gente reinventa.


Que ele tenha todo o mundo inteiro
revirando-se em cada inútil pensamento,
sempre que se lembrar dessa sua voz que ri,
desse seu sorriso que se inclina,
desse seu delicado cuidado desnecessário,
dessa imperfeição criada para o caso de encontrá-lo.

Diga ao seu amor que "sim". E rápido.
Mas diga a ele que demore a chegar.
Saber esperar é saber como amar.
Não sabe como amar quem não sofre a espera de reconhecer o amor.
Prepare o prato preferido dele, mas, sem querer, deixe queimar,
só pra que ele diga que você é aquilo tudo que você já sabe que é.
E dê risadas.

Dê risadas com ele no eterno cenário que são seus olhos quando o amam. 
Ouça o que ele tem a lhe dizer. 
Voz fraca.
Timidamente perto.
Ar rouco. Palavras pequenas.
Ele diz. Diz então.

Diz que é isso o que o faz feliz.
É exatamente isso que o faz feliz.
E que, por isso, ele te amou.
E que, por isso, existe o amor.