23 dezembro, 2010

texto escrito para não ser lido



Quase sempre imaginei muitas coisas. Essas coisas nada criativas. É, eu sou senso comum.
Imaginei não ser filha única, ser a melhor amiga da minha mãe e aprender a dirigir com meu pai. Imaginei como seria gastar a poupança que, como filha, ganhei ao nascer. Também imaginei o dia em que os adultos não chamariam meu som de barulho ou diriam: "ela vai estragar o piano!". Me deixariam fazer música. A minha música. Sonhei com o dia da minha primeira performance sem meu professor sentado ao lado do “fá 6” (ele sempre estava perto das últimas oitavas). Imaginei os prêmios que ganharia como pianista.
Queria conseguir pensar diferente, ter um quarto só pra mim, poucos amigos, passar no vestibular, voar, ter um trauma, ter uma coleção enorme de livros lidos e lutar por uma causa.
Imaginei o primeiro beijo do primeiro namorado, o primeiro choro verdadeiro e a primeira lua que eu veria apaixonada sem reservas (ainda não aconteceu). Imaginei o primeiro dia de aula na faculdade e como seria quando eu fosse dona de um celular, de um computador, talvez do meu próprio carro e do meu piano.
Imaginei ter melhores amigos que falassem o que os falsos amigos reprimem. Os ódios, as inquietações com minhas manias, as falas inconclusas ou as seis mil palavras diárias. Apenas os amigos têm as seis mil palavras diárias. Aos outros, silêncio. Amigos que subsistissem ao terror que são a minha arrogância e o meu descuido e que quisessem conversar comigo, por conversar.
Imaginei ser professora universitária, elaborar provas verdadeiramente épicas e deixar escapar um “se vira” de vez em quando para os alunos inseguros; mas seria o melhor que minha profissão me propusesse ser.
Tudo foi real. Imaginei. E tudo aconteceu.
Vi muitas coisas nas minhas ideias, só que também vi meus dedos cada vez menos ao piano, minha voz cada vez mais larga e minhas imaginações cada vez mais diferentes. Tão diferentes. Não faz mais sentido imaginar as mesmas coisas.
Nunca imaginei meu avô sentado na varanda apoiado em uma bengala e morando na minha casa; meu pai chorando de alegria ou de tristeza ao meu lado, sendo mais pai do que qualquer um que eu conheça. Minha mãe feliz pelas escolhas que fiz na vida. Nunca imaginei minha irmã cursando a mesma graduação que eu, gostando das mesmas coisas e rindo do meu carro (que será dela) rangendo com a suspensão quebrada.
Minha irmã ri pra mim. Nunca imaginei que a ensinaria a dirigir ou que ela será a família toda que eu terei em alguns anos. Seremos uma da outra mais do que sempre.
Nunca imaginei que eu fosse gostar de ouvir pessoas, que esperaria meses pra passear com meu melhor amigo e que meu outro melhor amigo iria se casar. Nem racionalizei que não teria coragem de dizer “adeus” pra melhor amiga que vai morar na China – geograficamente falando.
Imaginei muita coisa, mas nunca achei que eu pintaria as unhas de vermelho (e o pior, que o faria sozinha), e que não sairia de casa sem blush, batom, lápis e um acessório.  Psicolinguística, responsabilidade social, análise de conversação, teologia e psicodrama também não faziam parte dos olhos cerrados.
Nunca imaginei que sentiria falta de ser adulta quando tenho que ser adolescente.
Nunca imaginei que teria que mudar de cidade para entender que aqueles que eu pensava ter na vida, eu nunca tive. Na verdade, foram poucos os que eu guardei como tesouro. Estes são meus. Mas isso já aconteceu há 10 anos e eu, agora, não me importo mais. Quero mudar de novo.
Ser testemunha de uma guerra nuclear em potencial, ver pessoas venderem seus rins para comprar uma tecnologia ou que um palhaço seria eleito com mais de um milhão de votos nunca passou pela minha cabeça.
Nunca imaginei e agora sou convencida a imaginar porque fui medíocre a ponto de escrever um texto sobre mim mesma. Ei-lo aqui. Mas não importa mais. Assim como não importa mais nada que seja meu.
Importa ser de alguém, seja como for. Como ouvido, gente, professora, ajuda, música ou como qualquer coisa que vá e faça onde ninguém faz.
Importa é que eu deixei o questionamento sobre os universos paralelos pra lá e, de agora em diante, basta acreditar em que eu, talvez, exista.

                                                                                        Importa é que eu deixei o questionamento sobre os universos paralelos pra lá e, de agora em diante, basta acreditar em que eu, talvez, exista.